Em julho de 2023 aconteceu um ciclone em Bento Gonçalves, que acabou derrubando duas grandes árvores na casa da nossa amiga Andreia Celso. Ela, que é bióloga, entrou com um licenciamento para pedir o uso da madeira in loco. As espécies foram identificadas como um Vassourão-Branco e uma Canela Amarela de mais de 20 metros de altura, árvores nativas muito antigas que somavam em torno de 5 metros cúbicos de madeira.
As madeiras cortadas no pátio
Quando a Andreia recebeu a licença, em setembro de 2023, chamou a Co&Reco para uma parceria para fazer o beneficiamento da madeira, ou seja, transformá-la em objetos de decoração como mesinhas e luminárias. A missão da Co&Reco, então, foi de ressignificar essas madeiras e honrar as árvores que foram guardiãs da casa por muitas décadas (plantadas pelo pai da Andreia), transformando-as em objetos de afeto. Assim, surgiu a coleção Nectandra (inspirada no nome científico da Canela), peças de artesanato decorativas como mesinhas, cepos, bancos e luminárias.
Peças da coleção Nectandra. Foto: Tiago Lemos
Nossa amizade com a Andreia vem desde os tempos de colégio do Eduardo nos anos 90, quando morava em Bento Gonçalves. A Andreia, por seu expertise profissional e profundo amor pela natureza, sempre foi a parceira perfeita, e nos deu consultoria ambiental quando nos preocupamos com o processo produtivo e de coleta de resíduos. Desde abril de 2022 a Andreia vem nos ajudando a entender melhor como ter o menor impacto possível no meio ambiente. Ela também orientou ações da Co&Reco para plantio de espécies nativas, ajudando a aumentar o potencial de regeneração de áreas degradadas.
O trabalho teve inicio com uma visita técnica para alinhar o cronograma dos meses seguintes. A primeira etapa do trabalho foi a avaliação da madeira para verificar o potencial do artesanato, entender o contexto e as condições de trabalho. Foram realizadas limpeza e organização do pátio e a estocagem da madeira para a secagem controlada.
Conseguimos aproveitar uma área disponível no terreno para promover a cura da madeira, permitindo que ela secasse e ficasse pronta para ser trabalhada. Durante esse processo, a madeira vai perdendo a umidade e podemos entender melhor seu comportamento, o que foi bem importante para o trabalho com o Vassourão-Branco, pois foi a primeira vez que trabalhamos com essa madeira. Também entendemos que as madeiras do Vassourão e da Canela tinham características muito diferentes.
O Vassourão-Branco, por ser muito macia e porosa, apresenta diversas fissuras e rachaduras que precisam ser tratadas, mais adequadas para um trabalho decorativo e artesanal. Isso para nós acabou sendo uma oportunidade, já que a especialidade do artesão é entrar em relacionamento com a madeira, honrar suas marcas naturais e valorizar a beleza que já existe. As pequenas rachaduras foram trabalhadas através da pirografia e do uso de grampos metálicos.
Detalhes do trabalho com o Vassourão-Branco: técnica especial de lixa para destacar os desenhos da madeira, pequenas ranhuras ressaltadas com pirografia e rachaduras maiores ornamentados com grampos metálicos. Foto: Tiago Lemos
A Canela Amarela, por sua vez, é uma madeira dura, que possui ranhuras axiais em direção ao cerne. Por isso, utilizamos uma técnica de escovação para promover textura e relevo bem destacados. Após a aplicação de um tratamento com óleo mineral ou cera de abelha, ela adquire um tom escuro. Considerando o formato dos cortes que já estavam feitos pelo prestador de serviço responsável pelo manejo da árvore caída, a maior parte dela foi utilizada para a confecção de mesinhas decorativas.
Texturas ressaltadas das mesas feitas com a Canela Amarela, após uma série de técnicas de escovação, lixa e yakisugi (técnica japonesa de queima). Foto: Tiago Lemos
Todo o processo de escultura e lixa foi realizado no pátio, ao ar livre, então dependíamos do clima seco para trabalhar. Nosso processo de trabalho no pátio do cliente respeita as condições da natureza e os tempos necessários para que se desenvolvam as melhores soluções.
Parte da coleção Nectandra se tornou a coleção Ressignificar, que marca a expansão dos produtos da Co&Reco para Bento Gonçalves através da parceria com a loja Orno e de um evento de abertura da Casa Afetto, no Vale dos Vinhedos, também chamado de Ressignificar.
Bancos da coleção Ressignificar feitos com o Vassourão-Branco, ambientados na loja Orno. Foto: Tiago Lemos.
Como negócio, a Co&Reco acredita que toda a produção, toda a obra, pode carregar uma contrapartida para quem ainda precisa, afinal vivemos em um sistema que promove a desigualdade e reconhecemos que muitas pessoas não têm como sair disso e precisam de ajuda. Portanto, nossa intenção com o evento Ressignificar, junto com a Orno, também é gerar benefício para comunidades que, no momento da escrita desse texto, perderam tudo nas enchentes, através da doação de parte do valor das vendas. Claro que dependemos da concordância e acerto entre todos os parceiros.
É comum vermos árvores que caíram serem transformadas apenas em lenha, seus pedaços deixados em um canto ou mandadas para um aterro, enquanto se derrubam árvores para uso. Como podemos verdadeiramente honrar esses seres do povo em pé, que habitam o planeta conosco, respeitando o seu ciclo natural e cuidando delas depois que seu ciclo chega ao fim?
As peças das fotos foram ambientadas no espaço da Orno e captadas pelas lentes do Tiago Lemos, que sempre nos surpreende com seu olhar sensível e atento aos detalhes. Essas peças únicas são objetos de arte e artesanato que buscam honrar o que é natural, que não precisa passar por um grande processo produtivo com plásticos e resinas. Aceitamos e valorizamos o orgânico que é mutável e “imperfeito” (lições da filosofia do Wabi-sabi que nos inspira).
Luminárias da coleção Ressignificar feitas com o Vassourão-Branco, ambientadas na loja Orno. Foto: Tiago Lemos
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